terça-feira, 6 de março de 2012

Qualidade Total e Melhoria Contínua Versus Inovação e Criatividade


Essa semana eu encontrei um amigo que trabalha em uma grande empresa de automação industrial. Estávamos comentando sobre cultura organizacional, sobre como estavam nossos trabalhos, essas coisas. Conversa vai, conversa vem, entramos no assunto "inovação". Eu já abordei esse tema aqui, mas a situação me fez ter vontade de escrever sobre o assunto de novo. Ele trabalha da área de P&D e me surpreendeu quando falava de todas as regras e padrões que tinha de seguir para manter ou criar novos produtos e soluções inovadoras. De certa forma, a conversa tinha um tom de reclamação, ainda que implícito, por parte dele. Dá pra acreditar? Os caras simplesmente engessaram o P&D da empresa com um monte de normas baseadas nas ISO's e em outras certificações. Em outras palavras, liberdade criativa quase zero.

Aliás, isso é muito mais comum do que parece. Grandes empresas de alta tecnologia regulam excessivamente as suas áreas de pesquisa e desenvolvimento, sempre tentando trazer para lá os conceitos japoneses, normalmente usados nos processos produtivos. Chega a ser uma contradição. Uma área que, teoricamente, existe para criar e inovar, acaba sendo invadida por uma série de barreiras à criatividade. Tudo em nome da qualidade total e da eficiência. Vejamos dois pontos:

1 - A criatividade, ou o ato de criar, pressupõe erro. Como criar sem se dar ao luxo de tentar várias vezes e errar outras tantas? O erro é parte do processo criativo e é por consequência dessa experimentação toda que surge a maioria das inovações e das ideias brilhantes.

2 - Os processos de qualidade total e melhoria contínua, herdados dos modelos japoneses de produção, são baseados em regras rígidas, feitas justamente para que se erre o menos possível e se chegue a resultados que sejam mais próximos daquilo que foi planejado.

Nem é preciso ser um consultor administrativo para ver que essas duas coisas simplesmente não combinam. Como é que pode um processo privar os criadores de cometerem erros em prol da eficiência produtiva? Será que isso realmente vai resultar em grandes inovações? Claro que não! No máximo, saem algumas melhorias daí (melhorias técnicas, na maior parte dos casos). Na minha modesta opinião, as empresas realmente inovadoras podem ter todas as certificações de qualidade total que quiserem, mas menos na área de P&D. Ali é onde as novidades nascem, e limitá-las a seguir padrões acaba limitando também o alcance das ações da área. E o que é pior: limita a capacidade do capital intelectual que ali trabalha. No P&D é preciso ter a maior liberdade possível para que as ideias geniais possam surgir e ajudar a empresa a tirar lucro delas. Isso sim constitui a verdadeira inovação, como já comentei antes.

Lembrei na hora daquela propaganda de sabão em pó: "Porque se sujar faz bem". E é bem isso mesmo! Para aprender e desenvolver-se, a criança precisa explorar o desconhecido, sujar as roupas, etc. Para terem ideias, as pessoas precisam de estímulo, mas, principalmente, precisam contar com a faculdade do erro. Do contrário, não aprendem, não desenvolvem nada de novo e não conseguem melhorar coisas que já existem. E isso é algo que tem caráter exploratório, não segue nenhuma cartilha.

Nossas empresas de TI ainda precisam aprender a realmente entender o processo criativo e poderem tirar dele tudo o que ele pode oferecer. Elas necessitam perceber que as ideias não obedecem a sequências lógicas como numa linha de montagem. Coitado do meu amigo. Ficou meio decepcionado quando eu disse isso pra ele. Mas acho que ele entendeu o espírito do comentário e parece ter concordado. Tomara que seja mais um a encorajar as mudanças que nossas empresas precisam para tornarem-se realmente criativas e inovadoras.


* Adaptação de texto escrito em 25/11/2007


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