O projeto já começou errado. Desde sua concepção já se percebia que o escopo era grande demais para os recursos e o tempo disponíveis. Seguir os requisitos? Isso era comprar uma briga sem razão, coisa de rebelde sem causa. O pior é que ainda tinha mais coisa a ser pensada, mas que ninguém tinha percebido ainda: o futuro. Afinal, tratava-se de um projeto de reescrita de uma aplicação importante para a empresa. Algo que realmente influenciaria na produção e nas vendas. E, algo muito importante a ser considerado pelos tomadores de decisão, é que toda a decisão para o futuro é tomada no presente. Soa meio que filosófico, é extremamente importante para percebermos as consequências dos nossos atos. Mas, nesse caso, todo mundo até então só falava no que tinha acontecido e no que iria acontecer até instalarem a nova aplicação. A partir deste ponto, nada havia sido tratado. Ninguém sequer falou na "barriga" do projeto, tão comum, mas menosprezada até pela cartilha do PMI...
Essa é uma história que diz respeito a algo que muita gente vivencia diariamente nas empresas. Mas que raios é essa tal de "barriga"? Do que estou falando? Bem, acho que um exemplo certamente ficaria mais esclarecedor. Então vamos a ele.
Há uns anos, uma grande universidade brasileira resolveu que era hora de mudar seu ERP e adquirir uma solução mais moderna e integrada, que pudesse fornecer informações estratégicas em tempo real e facilitar a comunicação e a tomada de decisões entre as unidades de ensino da instituição. O investimento estava estimado em R$ 15 milhões, aproximadamente. Até então, a universidade utilizava muita coisa desenvolvida internamente em seus laboratórios, algo não muito sofisticado, mas que funcionava bem e que todo mundo conhecia. Mas aí veio a "necessidade" de se adquirir um ERP de verdade, afinal, todo mundo tinha um.
A exemplo do primeiro caso, ignorou-se a "barriga do projeto" (nome dado por um professor dos tempos de faculdade). Na maioria das vezes, os projetos são pensados e planejados como se tudo fosse correr como o previsto. Parece que, entre a aplicação ser implantada e estar funcionando 100% com todos os usuários treinados, o caminho é linear. Essa representação está na figura a seguir. Suponha que a aplicação seja implantada em módulos e que a fase 1 seja a implantação do primeiro (antes dela teve todo o trabalho de análise, programação, teste, etc.). Nessa fase é importante lembrar que, no momento em que a nova aplicação entrou no ar, a antiga foi descontinuada. Pois bem, logo a seguir, a fase 2 seria a implantação do segundo módulo, e assim por diante. Note que o caminho entre a fase 1 e a fase 2 parece ser algo linear, representado por uma reta, já previsto o treinamento dos usuários e o tempo de adaptação à nova ferramenta. Tudo muito bem planejado, aparentemente. Veja:
Aí é que entra a "barriga". Existe um período que ocorre durante a transição de uma ferramenta para outra que é uma espécie de "limbo", onde os usuários não têm mais as informações das quais dispunham na época da aplicação antiga, e também ainda não têm as novas informações geradas pela nova aplicação, pois ela ainda não foi completamente instalada. Em outras palavras, é um período em que os usuários simplesmente se veem sem informações suficientes para poderem tomar decisões. Esse período é representado pelo pontilhado azul e pela "barriga" da figura a seguir:
Como é possível perceber, a progressão do projeto não
é mais uma reta, mas sim algo próximo a uma parábola. E, como a segunda figura
mostra, acontece de forma não planejada. Note que os intervalos de tempo (que
foram planejados) são os mesmos. O que mudou foi o comportamento da progressão
das fases. Sabemos que, sempre que se mexe em um dos elementos do trinômio do projeto
(escopo x tempo x recurso), os outros dois naturalmente precisam (ou deveriam)
mudar. O que aconteceu nesse caso da universidade foi que o tempo (mal) planejado
acabou não sendo cumprido como se esperava, pois a transição de fases utilizou
mais tempo do que era previsto devido ao período em que os usuários ficaram no
"limbo". E aí, automaticamente, os recursos (dinheiro a mais que foi
gasto em treinamento, horas extras, etc.) e o escopo (simplificação de algumas
rotinas) mudaram para que se pudesse cumprir o tempo até a implantação do
segundo módulo.
Ao fazer o planejamento de um projeto desse tipo (reescrita de uma ferramenta importante), é preciso considerar não apenas a fase de adaptação, mas também a "barriga". As duas normalmente acontecem juntas. Descontinuar uma aplicação antiga logo após ter implementado uma nova também não é uma boa ideia. Certamente isso só aumenta o tamanho da "barriga". É muito importante que a aplicação antiga esteja rodando junto com a nova, pelo menos durante certo tempo, até que a adaptação e o aprendizado estejam concluídos de maneira satisfatória. E, em se tratando de projetos, vale lembrar que a maior surpresa é justamente não haver surpresas. Por isso, quanto mais variáveis forem consideradas no processo de planejamento, a menos surpresas o projeto estará sujeito ao seu final. Esse é o exemplo desta universidade. É algo já ocorrido. É passado. E pensar que o pessoal do projeto que falei no começo do post ainda nem tinha avançado o suficiente no cronograma para chegar a pensar nisso...
Ao fazer o planejamento de um projeto desse tipo (reescrita de uma ferramenta importante), é preciso considerar não apenas a fase de adaptação, mas também a "barriga". As duas normalmente acontecem juntas. Descontinuar uma aplicação antiga logo após ter implementado uma nova também não é uma boa ideia. Certamente isso só aumenta o tamanho da "barriga". É muito importante que a aplicação antiga esteja rodando junto com a nova, pelo menos durante certo tempo, até que a adaptação e o aprendizado estejam concluídos de maneira satisfatória. E, em se tratando de projetos, vale lembrar que a maior surpresa é justamente não haver surpresas. Por isso, quanto mais variáveis forem consideradas no processo de planejamento, a menos surpresas o projeto estará sujeito ao seu final. Esse é o exemplo desta universidade. É algo já ocorrido. É passado. E pensar que o pessoal do projeto que falei no começo do post ainda nem tinha avançado o suficiente no cronograma para chegar a pensar nisso...
* Adaptação do texto escrito em 13/12/2007
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