terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Simplicidade e Sofisticação


Não, este não é um texto sobre o Ed Motta. Mas as palavras do título, homônimo à definição dada por muitos ao cantor brasileiro, nem sempre caminham juntas. Embora possam servir para o Ed, elas são vistas pela maioria das pessoas como opostas. Talvez porque, num primeiro momento, sejam associadas à pobreza e à riqueza, respectivamente. Mas o que toda essa "filosofia" tem a ver com este post? Explico:

Recentemente, comprei um laptop novo. Um top de linha, com tudo o que um nerd gostaria de ter. No dia da compra, eu parecia uma criança que ganhou um brinquedo novo. Na verdade, era isso mesmo. Estava super empolgado, pois tinha conseguido realmente comprar o modelo que eu queria, mesmo sabendo que levaria uns dias para entregarem na minha casa. E o melhor de tudo: eu tinha condições de pagar por ele. Caramba, fiquei pensando na hora no momento profissional pelo qual estou passando, assumindo novos desafios, querendo evoluir ainda mais, enfim, tudo aquilo que me possibilitou adquirir o laptop novo. Fiquei com isso na cabeça boa parte do dia, fazendo planos para o futuro.

No final daquele dia, voltando pra casa, resolvo passar no Shopping que fica perto para comprar não me lembro o quê. Depois, resolvi pegar um ônibus, pois já era noite, estava chovendo e fazendo muito frio, como costuma ser em Porto Alegre no inverno, o que inviabilizava uma caminhada. Naquele momento, eu ainda estava pensando no computador novo que tinha comprado, louco pra que ele chegasse logo e eu pudesse me divertir com ele.

Então aparece um rapaz, aparentemente um pouco mais velho que eu, com roupas velhas e sujas, calçando Havaianas velhas e com um plástico sobre o corpo, que usava como se fora uma capa de chuva. Ele estava pedindo dinheiro para as pessoas no ponto de ônibus, para poder comer e tomar um café, segundo ele. Perguntava se as pessoas tinham 5 centavos para ajudá-lo. Via-se que ele tentava ser discreto e, à medida que as pessoas chegavam, ele ia uma a uma perguntando se tinham algo para dar a ele. Naquele frio todo e com aquela chuva, ali estava um retrato um pouco mais verdadeiro do nosso país, bem diferente da minha realidade, onde eu acabara de comprar um bem de consumo relativamente caro. Ele veio até mim e eu sinalizei que não teria nada para dar a ele. Mas eu acabei de comprar um laptop! Como assim eu não tenho dinheiro? Bem, eu não costumo dar dinheiro para pessoas na rua. Não por falta de solidariedade, mas porque acho que isso não resolve o problema dessas pessoas. Fico com muita pena e, às vezes, reflito se não deveria ter ajudado. Mas nunca se sabe para quê a pessoa vai utilizar o dinheiro, se vai realmente comer ou vai comprar bebidas, drogas, etc. Além disso, se todo mundo der dinheiro, essas pessoas podem achar mais cômodo ficar assim do que tentar encontrar trabalho ou coisa parecida.

Mas, não sei por que, eu ainda fiquei pensando durante um bom tempo se deveria ter ajudado. É complicado. Meu pai sempre disse que não devemos ser omissos. Não sei se era o caso. Racionalmente eu acho que fiz bem, mas emocionalmente minha consciência cristã sempre fica me cobrando. Mas fico sem saber o que fazer nessas situações.

Aquilo mudou meu pensamento na mesma hora. Deixei de lado a empolgação e passei a pensar sobre o quanto nós, muitas vezes, nos vestimos de certa pseudo-sofisticação, talvez proporcionada pelas ilusões que o mundo da tecnologia nos apresenta, e esquecemos que estamos, na verdade, em uma situação privilegiada em nosso país. Sim, embora o Brasil esteja em evidência no mundo, ainda somos um país de muitas carências, que ainda precisarão de longas décadas para serem resolvidas. Eu e, possivelmente, você, somos a “nata” economicamente ativa do país, muito embora o conceito de “rico” seja algo que passe bem longe de minhas posses, realisticamente falando. 

Eu dou valor a isso justamente porque tive uma infância sem luxos, com algumas restrições, mas onde não me faltou nada em termos de amor e valores morais. Meu pai trabalhou muito para adquirir o que tem, que nem é tanto, mas que é bem melhor do que no tempo das "vacas magras" e possibilita a ele ter certo conforto, agora que está aposentado. E eu devo muito da minha formação a isso. Ver o quanto ele e minha mãe davam duro pra manter a casa e criar os filhos, de certa forma, me ajudou a buscar objetivos com mais serenidade. Se eu pude ter melhores condições que ele teve na sua infância, assim espero que meu filho tenha melhores condições que eu. E que assim siga sendo. Essa é ou não é a lógica que se gostaria de ver em uma família?

Aquele rapaz do ponto de ônibus, por mais que fosse gastar tudo o que lhe dessem em algum tipo de vício, estava ali, passando frio, sem ter nem como se proteger da chuva, sem futuro. Sendo ou não um aproveitador, não se pode dizer que estava numa situação confortável. Longe disso. Sinto-me mal com esse tipo de coisa. Eu gostaria que todos pudessem ter as mesmas chances que eu, mas muitos não as têm. É claro que muito é culpa das próprias pessoas, mas também há os que são vítimas da sociedade. Difícil é saber quem é quem. De qualquer forma, sempre é possível tentar resolver a situação, seja por si mesmo, seja procurando ajuda. Aí eu sinto vontade de voltar a trabalhar para a minha comunidade, como fazia na adolescência, na paróquia do meu bairro. Mas a falta de tempo de hoje vem sempre como desculpa. Uma hora eu crio vergonha e volto. Tenho certeza. Preciso disso, de certa forma: poder ser útil além das fronteiras daquilo que me pagam para fazer. Um “obrigado” tem um poder enorme, não raro maior do que qualquer valor monetário que se receba por algo que se faça. 

Nessas horas de choque de realidade é que eu acho que Deus nos dá uma dica, uma oportunidade para enxergarmos com mais clareza e entendermos que não podemos nos iludir com as coisas materiais e que devemos pensar e agir com mais simplicidade e humildade. Mais que isso, é uma obrigação nossa, pessoas ditas cultas, de repassar esses valores de alguma forma para a sociedade. Não devemos perder tanto tempo reclamando, mas sim em ver tudo o que há de bom naquilo que conquistamos, para que possamos seguir conquistando.

E isso se aplica ao nosso dia-a-dia no trabalho. Quando conseguimos sucesso em alguma coisa, saibamos que ele não foi alcançado só pelas nossas mãos. Precisamos compartilhá-lo com aqueles que nos apoiaram e fizeram parte dele. Da mesma forma, devemos pensar melhor nos momentos de frustração, insatisfação ou derrota: antes de reclamar ou lamentar, é bom que tenhamos em mente que nossos problemas são pequenos perto do fardo que tantas outras pessoas têm de carregar. Devemos ser gratos pelas oportunidades que temos e seguir em frente, tentando sempre melhorar como profissionais, e principalmente como seres humanos. É isso que vale. É isso que fica.


Na sua empresa, há pessoas com realidades e origens diferentes. Mas todas elas, seja lá que cargo ocupem, são importantes e devem ser respeitadas, reconhecidas e ouvidas, do porteiro ao diretor. Da faxineira à secretária executiva. Todas contribuem para o sucesso da organização. Um “bom dia” que seja já pode fazer a diferença no dia de uma pessoa. Creio que a sofisticação das ideias está na simplicidade do saber ouvir. E, para isso, você deve enxergar as outras pessoas a partir de um mesmo patamar que o seu. Todas ali têm uma história, todas querem progredir, todas têm dificuldades, talvez maiores do que as suas. O segredo das pessoas de sucesso sempre foi o fato de não ignorarem o que estava à sua volta. Muitas ideias revolucionárias vieram das coisas mais simples. A capacidade de enxergá-las é que faz a diferença. É possível sim que a simplicidade e a sofisticação convivam e produzam bons frutos. Não é um exercício fácil. Mas se a humildade, acompanhada da ação, forem chamadas para compor o quarteto, há mais chances de sair uma boa música.
Tão boa quando a do Ed Motta.


* Adaptação do texto publicado em  31/07/2008


0 comentários:

Postar um comentário