terça-feira, 4 de setembro de 2012

Evolução


O mundo mudou ou as pessoas é que estão pensando menos? Ou será que são as duas coisas? Estamos realmente evoluindo?

Eu me faço essas perguntas quase diariamente. E não é apenas pelo que vejo no ambiente de trabalho e nas mudanças que ocorreram e vêm ocorrendo nos últimos anos, mas também pelo comportamento das pessoas no dia-a-dia. Parece que tudo ficou mais simples, ou melhor, menos complexo. Tanto as máquinas, ferramentas, utensílios, como os próprios relacionamentos. Parece que há uma tendência extremada à simplificação das coisas, ou melhor, em alguns casos, a palavra mais adequada parece ser mesmo "superficialização".

Quem está na faixa dos 30 anos ou mais sabe muito bem do que falo. Como o mundo mudou de 15, 20 anos pra cá! Às vezes até me espanta. Óbvio que muita coisa mudou pra melhor. A tecnologia nos deu uma nova forma de viver. Ao mesmo tempo, ela criou alguns tipos de comportamentos bem distintos daqueles com os quais tínhamos aprendido a conviver. Só se fala em "acompanhar o ritmo dos novos tempos". Mas que ritmo é esse? Será que tudo tem que acompanhar esse ritmo? Você acompanha?

Eu sinceramente acho que a educação tem um grande papel nisso tudo. A forma como as pessoas recebem educação em casa e nos bancos escolares mudou e, por conseguinte, mudam também comportamentos, estrutura familiar, etc. Mas a educação não fez nada sozinha: posso estar enganado, mas a tecnologia, em minha opinião, ao mesmo tempo em que causou tanta evolução, também é uma das responsáveis pela mudança na educação em geral.


Quando eu estava na escola, a nota média para você passar de ano era 7,0. Em algumas instituições, era 8,0. E normalmente o nível de ensino era relativamente bom, mesmo em escolas públicas. E se você não atingisse essa média, ficava em recuperação. Se ainda assim não alcançasse o objetivo, repetia o ano e ponto final. Já mencionei isso aqui, mas não custa refrescar a memória dos leitores: eu estudei minha vida toda em escola pública e nunca tive moleza. Ficar em recuperação já era uma baita derrota pessoal. Repetir o ano então era um completo desgosto, pra você e para sua família. Eis que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) muda lá em meados dos anos 1990 (acho que em 1997), e estabelece que a média para aprovação passasse a ser 5,0. Caramba! 5,0 era nota "vermelha" antes. Para mim, era o fim tirar 5,0 numa prova! Pensei comigo: agora qualquer um vai passar de ano. Mas, como se ainda não bastasse, a LDB "evoluiu" e atualmente é praticamente proibido um professor reprovar um aluno, tamanha a quantidade de "recuperações" a que ele é submetido até que consiga a média. Ou seja, a modernização do ensino agora está no fato de ninguém mais repetir o ano, não importa o quanto tenha aprendido. Nessa lógica, a repetência é péssima para o futuro profissional. Com uma lei mais "moderna", isso não mais acontece e você poderá chegar mais rápido a uma formação e, consequentemente, ao mercado de trabalho. Só que ninguém se lembra de "como" esse indivíduo vai chegar ao mercado. A consequência já pode ser vista, basta analisar a dificuldade em se preencher as vagas especializadas, principalmente nos setores como TI e saúde, onde sempre há mais vagas que candidatos.

Pra ajudar, a Internet está produzindo o que alguns chamam de uma "nova língua portuguesa". Eu prefiro chamar de "uma geração de analfabetos digitalizados". Como as pessoas parecem ter preguiça de escrever corretamente ou até mesmo de pensar hoje em dia. É uma dificuldade estabelecer um diálogo com a maioria das pessoas bem mais novas que você. E eu não estou falando de erros simples de português. Isso é normal a todos, eu mesmo cometo muitos. Falo da pressa com que as pessoas estão tentando absorver informação, mas sem guardar para si as partes úteis, que vão ajudar na formação intelectual. Querem tudo pronto, não constroem nada, apenas copiam ou recorrem ao Google. Acostumaram-se ou foram acostumadas com isso. Ler então, só Mangá, RPG ou Harry Potter. E se leem isso, já são considerados "nerds" pelos amigos. Ou melhor, pelos "miguxos". Aliás, diga-se, até o "miguxês" já está em desuso, tamanha a dinamicidade com que as coisas mudam. 


Nada contra esse tipo de leitura, eu mesmo acho algumas interessantes. Mas ler só isso não é bom. Culturalmente, há coisas na literatura brasileira e mundial muito mais enriquecedoras. Por causa dessa popularização da "linguagem fácil e acessível a todos", as próprias universidades adaptaram os seus vestibulares. Em algumas, basta você fazer uma redação simples para ser admitido. E olha que, mesmo assim, a comissão avaliadora ainda tem trabalho pra selecionar pessoas que consigam escrever bem. Tudo está consistindo em nivelar "por baixo". Impressionante. Quem tenta um intercâmbio no exterior tem um choque com o nível de exigência das escolas, se comparadas às do Brasil. 

Não obstante, a facilidade de comunicação das redes sociais vem criando uma geração de "Cyberidiotas", que não sabem de nada, mas acham que sabem de tudo, especialmente quando o assunto é política, religião ou futebol. Lembro-me de quando se dizia que "política, religião e futebol não se discute". Sábias palavras... Quem dera ainda fosse assim. Chega a ser chato abrir o Facebook e dar de cara com pseudo-ateus e pseudo-religiosos, que não conhecem nada sobre a realidade um do outro, discutindo sem razão nenhuma. Gente pedindo voto pra esse ou aquele candidato, outros condenando este ou aquele acusado (sim, hoje em dia as pessoas parecem serem culpadas até que se prove o contrário, justamente o oposto dos ideais da nossa Carta-Magna). Com o futebol é ainda pior. Tem quem torce pra um time, mas passa 90% do tempo falando mal do time rival. Vai entender. Eu gosto de futebol, mas tem certos limites para o fanatismo que frequentemente são extrapolados por alguns. Não vou nem falar sobre questões raciais, sociais e de sexualidade, igualmente polêmicas, senão escrevo um livro inteiro.

Parece que estamos ficando menos tolerantes, achando que só aquilo que fazemos e no que acreditamos é bom e que todo o resto relativo a quem é diferente não presta e deve ser eliminado. E isso em pleno século XXI. Quem diria! Não parece contraditório todo esse radicalismo descabido? Vale a pena alimentar isso? Se as pessoas ditas inteligentes, que tem acesso à informação e formam opiniões, estão agindo dessa forma, o que esperar das massas menos desenvolvidas daqui a alguns anos?

Nos ambientes de trabalho em geral também notamos mudanças. Antes, um analista/engenheiro (de qualquer coisa) era um cara com uma formação pesada, capaz de realizações complexas, era admirado por todos e tinha altas responsabilidades. Hoje, um analista é simplesmente um cara que faz mais do que simplesmente "executar" uma tarefa. É ou não é? Deem uma olhada nas vagas disponíveis na área de TI e vejam se estou errado. Esses dias eu vi uma vaga de "engenheiro de telemarketing" num anúncio no jornal. Sério. Agora me digam, qual é a tarefa "de engenharia" que há num trabalho desses? Aparentemente, nem suporte técnico faz partes das atribuições desse cargo. Então fica o quê? Nada contra quem trabalha com telemarketing, mas é evidente que estão dando um nome pomposo a algo que não requer um esforço equivalente. Aliás, gostaria de saber o que faz exatamente um “engenheiro de telemarketing”...


Com a música vemos algo parecido: as composições parecem ser feitas com prazo de validade, para durar "x" meses, vender muito e depois serem produzidas outras para substituir as anteriores. Alguém consegue identificar alguma música feita de 15 anos pra cá e que tenha jeito ou qualidade de clássico, daqueles que ficam décadas nas lembranças das pessoas? Parecem ser todas iguais. As bandas também, todas com o mesmo som. Melodias como as do Led Zeppelin ou Beatles não se veem mais, apenas um som pesado carregado de raiva e depressão na voz dos cantores que sequer sabem pelo que estão raivosos ou depressivos. 

Relacionamentos idem. Num mundo onde tudo está rápido, tudo é pra ontem, as relações não podiam ficar de fora. Casamentos duram menos, há menos casamentos. Isso porque ninguém fica mais satisfeito com algo duradouro. É preciso estar sempre mudando. A sociedade te diz que deve ser assim. É como se os preceitos da obsolescência programada estivessem interferindo no modo como encaramos os nossos relacionamentos pessoais (será que não está?). Não se trata de conservadorismo, mas parece que tudo perde a atratividade muito cedo, virou descartável. Isso não é bom em nenhuma época.

Entendam, não sou contra a modernidade e as facilidades que ela produz. Afinal, eu sou um profissional de TI e adoro tecnologia. Mas eu sou contra o conformismo/comodismo que essa mesma tecnologia pode gerar nas pessoas, que acarreta em ver tudo de forma superficial e intolerante. Incomoda-me muito o fato de alguns entenderem a tecnologia como algo que facilita tanto a sua vida a ponto de você sentir que não precisa mais pensar e refletir. Apenas emitir uma opinião já está bom. E você precisa emitir, senão é ignorado. 

Isso sim é que deveria ser trabalhado. Não sei ainda se isso que estamos vivendo será o futuro ou a tendência da evolução humana. Mas, quanto menos pensamos, mas perto estamos de voltar às nossas origens primatas. Pode ser um exemplo meio exagerado, mas tenho certeza de que muito da atual violência da nossa sociedade está na intolerância causada pela falta de cultura, informação e respeito ao próximo que se veem nas ruas, escolas, trabalho e nas redes sociais. A globalização tem tudo para ser um grande instrumento de paz, onde todo mundo compreende todo mundo e todos se respeitam. Falta é fazer com que isso entre na cabeça das pessoas e de alguns estadistas modernos.

Belchior escreveu brilhantemente que "é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem". Particularmente, creio que não devemos nos apegar demais ao passado. Realmente isso não cabe mais, embora eu muitas coisas de antes ainda possam e devam ser aproveitadas. Talvez a desilusão faça muitos gostarem de viver no passado, não apenas por serem avessos à mudança (o que é ruim), mas muito por não enxergarem ou por não sentirem possibilidades de mudança (o que é pior). Penso que devemos sempre tentar CONSTRUIR um futuro de forma consistente e que este seja realmente bom para todos. Preocupa-me a maneira como o novo está sendo colocado para a sociedade. Mais fácil nem sempre (e nem para tudo) significa melhor. Colocando outra música na jogada, me recordo da letra de "Do the Evolution" do Pearl Jam


"Admire-me, admire meu lar, Admire meu filho, ele é meu clone. Esta terra é minha, esta terra é livre. Eu faço o que eu quiser, irresponsavelmente. É a evolução, baby". 

De certa forma, esse trecho traduzido da música retrata um pouco da falta de noção e do egocentrismo dos pensamentos que vemos por aí. A geração do "iPod" e do "iPhone" está interiorizada demais. Esqueceu que o mundo tem outros atores. Em vez de "i", deveriam pensar no "us" e no "them" também. Perdoem-me pelo trocadilho malfeito, mas acho que serve para ilustrar a ideia. Já tem gente "mala" demais no mundo, por isso precisamos pensar mais para não adotarmos nem aumentarmos os que seguem este estereótipo.

Muito desse trabalho cabe a nós mesmos, desde que passemos a olhar para outros lugares que não sejam nossos próprios umbigos. Tem um ditado árabe que diz que "se um dia encontrares a luz, não a negue àqueles que ficaram na escuridão". Se a solidariedade e a caridade parecem algo démodé, talvez seja hora de tentarmos tornar isso "cult" de novo e disseminar coisas boas. Podemos usar nosso conhecimento de diversas formas para ajudar os outros: fazendo um trabalho voluntário, ajudando e instruindo quem precisa sem assistencialismo barato, agindo corretamente e honestamente, sendo responsáveis, respeitando as diferenças, educando nossos filhos para fazerem o mesmo, etc. 

Não sei nem consigo visualizar ao certo para onde vamos, só sei que há muito o que fazer até que a evolução seja completa, tecnológica e humanamente falando. Quanto a respostas para as perguntas iniciais do post, eu já tenho uma: sim, estamos evoluindo. O que eu ainda preciso descobrir é em qual direção estamos indo.


* Adaptado do texto escrito em 25/09/2008




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