Certos
acontecimentos são cíclicos. Não importa a época, de tempos em tempos eles se
repetem. Mudam um pouquinho aqui ou ali, mas preservam a mesma essência. De
tanto se repetirem, acabam sendo previsíveis. Ao menos, para aqueles que
têm boa memória.
Mas eu não estou falando de pleito eleitoral ou se você se
lembra em qual candidato votou da última vez.
Terminada
mais uma edição dos Jogos Olímpicos, a de Londres 2012, vemos o Brasil
novamente como coadjuvante no quadro de medalhas. Nenhuma novidade, a não ser o
fato de termos conquistado o maior número de medalhas da história, ao menos, na
quantidade. Igualmente comum é o número de pessoas reclamando da campanha do
Brasil nos jogos, que falta investimento, etc. Até é compreensível, de certa
forma. Muitos atletas estão ali por conta própria, não recebem patrocínio
adequado, não dispõem de salários milionários, etc. São verdadeiros heróis
anônimos que lutam pelo amor ao esporte e pelo amor ao seu país. Isso mesmo: ao
seu país. Ele, o Brasil. O mesmo que tanta gente fala mal, despreza, torce
contra.
Aliás, é
uma coisa que eu não consigo entender. Como alguém pode torcer contra o seu
próprio país numa olimpíada, sendo que aqueles atletas mais calejados e
esquecidos pelo esporte brasileiro fazem justamente o contrário, pois são os
primeiros a exibirem o “orgulho de ser brasileiro” quando o hino nacional toca
no pódio? Não consigo encontrar uma justificativa plausível a não ser o nosso
próprio “complexo de vira-lata”, descrito pelo dramaturgo Nelson Rodrigues. O
Nelson, diga-se, é um cara que sempre apresentou um texto sem firulas, direto
ao ponto, como realmente as coisas acontecem. Talvez por isso permaneça atual
tanto tempo depois.
Quando ele
citou o “complexo de vira-lata” pela primeira vez, referia-se à derrota do
Brasil na final da Copa do Mundo de 1950 e ao descrédito oriundo dela, algo que
só findaria com o título de 1958. Tempos depois, utilizou a expressão para
mencionar “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente,
em face do resto do mundo”. É
difícil encontrar um componente histórico que explique esse tal complexo (nem vem
ao caso dissecá-lo aqui), mas o fato é que ele existe, hoje com outras
variantes, é verdade.
Creio que
todo mundo saiba das dificuldades do país, não apenas no esporte, mas isso lá é
motivo para torcer contra as pessoas que estão lá, nos representando? Tudo bem
que uns ganham fortunas e outros uma miséria, isso todos sabemos. Mas é assim,
apenas reclamando de tudo o que fazemos, que vamos mudar a realidade? É muito
mais fácil repetir Charles de Gaulle e dizer que o Brasil não é um país sério. Fazer
algo para que as coisas mudem é outra conversa. Como diz meu pai, “não é assim
que se capa gato”.
Aqui no RS
a coisa é pior, pois vemos seguidamente uns pseudo-intelectuais que, em pleno
século 21, conservam ideais separatistas e acham isso bonito, ainda por cima!
Uma coisa é você ter orgulho de ser gaúcho, brincar de forma saudável com o
bairrismo do nosso povo. Outra coisa é extrapolar esse limite e achar que
realmente somos melhores que os demais brasileiros. Aliás, é isso que somos:
brasileiros, antes de tudo. Somos tão brasileiros quanto os que vivem no Acre,
Piauí ou qualquer outro estado. Tem vezes em que as coisas são levadas tão “à
ponta de faca” que se torce contra a seleção brasileira só porque o treinador
convocou um jogador do Internacional e deixou um do Grêmio de fora da lista, ou
vice-versa. Isso lá é demonstração de “superioridade”? Isso tem é outro nome:
provincianismo. Alguns gaúchos acham tão ruim ser brasileiro que se dizem
diferentes ou melhores, só para não serem “confundidos” mundo afora. É tão
estúpido quanto dizer que se é Catalão em vez de Espanhol e vice-versa, em
minha opinião.
Tirando o
caso do meu estado, o brasileiro aprendeu a se achar inferior a ponto de agora reclamar
da sua própria falta de autoestima, mas atribuindo a culpa a terceiros, claro.
Os bodes expiatórios são sempre os mesmos: o governo, os impostos, a
economia... Por vezes, são os reais culpados. Mas e quanto a nossa parcela
nisso tudo? Quantas filas furamos por dia, quantos trocos a mais deixamos de
devolver em um ano, achando que estamos levando vantagem em alguma coisa (“Lei
de Gerson”)? Se a máxima diz que cada
povo tem os governantes que merece, temos de fazer por merecer para termos
representantes melhores, não é mesmo?
Não dá pra
fechar os olhos para os problemas do nosso país, isso é fato. Mas é o nosso
país, caramba! Nossa pátria mãe, nem tão gentil, mas ainda é nossa pátria! E
isso não vai mudar. A ilusão de sair do país, achando que todos os outros são
melhores, nem sempre é válida. Não são poucos os brasileiros que moram no
exterior e que sentem vontade de voltar. Temos de aprender a valorizar o que
temos aqui e procurar melhorar, em vez de fugir para os EUA ou Europa, alegando
que lá as coisas são levadas a sério.
Há
problemas em todos os países. Não pensem que está fácil viver na Europa hoje em
dia, com toda a crise econômica pela qual o velho continente atravessa. Conheço
um cara que foi morar por três anos na Espanha, com o propósito de juntar um
dinheiro que, teoricamente, não poderia juntar aqui. Sabem o que ele disse? Que
se arrependeu de ter ido. Segundo ele (que não era formado), até conseguiu
fazer uma boa poupança, mas teve de trabalhar de 10 a 12 horas por dia,
inclusive nos finais de semana, sem poder sair para fazer festas, etc. Gasto
zero. Depois disso, ele percebeu que, se tivesse feito o mesmo aqui no Brasil,
também conseguiria juntar o dinheiro que queria. Era só trabalhar as mesmas 12
horas, 7 dias por semana e não sair para gastar o que ganhou. Ele pode ter
escolhido a época errada para ir para lá, mas é um exemplo de que nem sempre
essa é a melhor solução.
Todos os
dias eu vejo pessoas queixando-se dos impostos, de que é ruim trabalhar no
Brasil por conta de todos os encargos que se paga. Acho estão certas, mas
também tem um pouco de chororô em alguns casos. Não estou ignorando as
dificuldades, apenas querendo dizer que nem sempre a culpa é só “dos outros”. Temos
o direito e o dever de reclamar quando estamos sendo prejudicados. Só que há
certas coisas que, infelizmente, demoram a mudar (ou não mudam), e precisamos lidar
com elas, queiramos ou não. Simplesmente não temos como “fugir da raia”. É como
o aluno que reclama que pegou um professor “carrasco” em determinada
disciplina, mas que pouco se esforçou para tentar passar de ano. E olha que,
normalmente, é com esses “carrascos” que aprendemos mais e nos preparamos para
o futuro. E não adianta nada reclamar, pois se você escapar de um professor
exigente, terá de enfrentar outro ali na frente. Você faz o quê? Senta e chora
ou encara a adversidade e tenta superá-la? Você só aprende quando é exigido. Quando você sair da escola e começar a
trabalhar, o mercado nem sempre irá te dar uma segunda chance, então é bom você
saber se virar.
Por que há
empresas que duram décadas e décadas com saúde financeira e prosperidade? Elas
provavelmente passaram pelas mesmas dificuldades que as outras, enfrentaram as
mesmas crises econômicas, pagaram os mesmos impostos abusivos. Conseguiram ir
adiante porque não abriram mão de fazer as coisas acontecerem, de saírem da
inércia e procurarem alternativas criativas para continuarem viáveis financeira
e comercialmente. Enfrentaram as adversidades de frente. O que isso quer dizer? Quer dizer que não se constrói um país melhor apenas reclamando das coisas ou desistindo dele porque o governo e as pessoas parecem não merecer mais crédito. Essas empresas são a prova disso.
Lembro que
tive as disciplinas de “Moral e Cívica” e “OSPB (Organização Social e Política
Brasileira)” na escola. Não existem atualmente, mas as considerava importantes.
Eu desfilava para a minha escola no 7 de Setembro e achava legal. Alguns dirão
que são resquícios da ditadura, mas, em se tratando de anos 1980/1990, essas
disciplinas já não tinham esse cartaz. Ao contrário, eram muito úteis para
entendermos (ou começarmos a entender) como funcionava nossa sociedade. É
possível até que nos ajudassem a sermos mais politizados. Tanto que a última
manifestação popular de relevância política que se tem notícia foi a dos “caras
pintadas”, que foram às ruas pedir o impeachment
do presidente Collor. Hoje em dia você praticamente só vê passeatas nas ruas
quando estas terminam com uma festa. Protesta-se e fala-se de tudo pelo Facebook. Ali, no mundo virtual, todo
mundo sabe de tudo. Colocar a cara na rua, poucos colocam. Esse tipo de eleitor
é tão perigoso quanto aquele que é comprado com uma cesta básica, pois provavelmente
entende tanto de política quando ele.
Digo isso
porque acredito que muito dessa falta de orgulho de ser brasileiro venha
justamente porque as atuais gerações não conhecem ou conhecem pouco o próprio
país, seja culturalmente, seja politicamente. Ninguém se interessa por esses
temas, a não ser na hora de reclamar que as coisas não estão indo bem por culpa
deste ou daquele. Vivemos na era do analfabetismo funcional. Isso é um grande
problema, visto que diminui a capacidade cognitiva das pessoas, deixando-as intelectualmente
mais vulneráveis (leia-se passíveis de manipulação, a famosa “massa de manobra”).
É muito fácil fazer todo mundo acreditar
que seu país não presta ou é inferior do que dizer que você também é
responsável pelo andamento das coisas e que também pode e deve agir para fazer
as coisas mudarem.
Quando você
viaja para fora do Brasil, percebe que, no geral, o brasileiro tem mais
preconceito com seu próprio país do que os estrangeiros. Há exceções, claro.
Aqui também falamos mal de alguns ‘gringos”. Mas não é o que se vê normalmente.
Se você for educado e se comportar bem, levando em conta e respeitando as
diferentes culturas, também tende a ser tratado assim, não importa sua
nacionalidade. Eu moraria fora do país, sem problemas. Se meu trabalho exigir
ou se eu tiver vontade de passar um tempo em um lugar diferente para aprender
outro idioma, estudar, etc., eu não recusaria. Mas jamais iria por não gostar
do meu país. Eu sei que o romantismo e patriotismo perderam espaço nos dias de
hoje, mas fazer o quê? Eu cresci aprendendo a valorizar as coisas boas da minha
terra e a pensar que as coisas podem sempre melhorar. E olha que hoje estão bem
melhores do que antes. Sem inflação, sendo reconhecido internacionalmente,
economia crescendo pouco, mas crescendo, etc. Nunca foi tão importante ser
brasileiro perante o mundo, mas parece que alguns fecham os olhos para isso.
Queria ver se fosse na época da inflação de 3 dígitos, da reserva de mercado,
da falta de opções e de liberdade de expressão. Não se valoriza aquilo que se
criou de bom nesses últimos 20 anos. O mundo mudou e continuamos reclamando das
mesmas coisas de décadas atrás. Nelson Rodrigues certamente iria escrever muito
sobre isso. Talvez até Freud...
Os
profissionais brasileiros hoje são cada vez mais reconhecidos
internacionalmente. Temos capacidade, criatividade, flexibilidade. Aprendemos a
sermos competentes. Mesmo não tendo uma estrutura educacional adequada, estamos
conseguindo produzir muita coisa legal mundo afora. É hora de deixarmos de lado
o “complexo de vira-lata”, acreditarmos que somos capazes, pararmos de só
reclamar e agir. A mudança tem de vir primeiro de você mesmo. Nosso país é
imperfeito, mas ainda é nosso país. Ter orgulho e gostar de onde você veio não
tem nada de “feio”, assim como saber ser agradecido ao que seu país lhe deu. É
uma demonstração não só de maturidade, mas também de civismo, meus conterrâneos
tupiniquins. Vivamos felizes com nossas
origens e, principalmente, não desistamos do nosso país!