quarta-feira, 25 de julho de 2012

Caminhos Diferentes


Nunca fui um expert em economia e nem em política, embora não deixe de acompanhar ambos os assuntos com certa frequência. Uma questão a qual sempre tive curiosidade de saber a resposta diz respeito a por que pessoas que, teoricamente, vieram da mesma realidade, acabam tomando caminhos tão diferentes na vida. O capitalismo diz que cada pessoa deve se preparar para o mundo que a espera. Ela é responsável pelo seu próprio sucesso ou fracasso. O socialismo coloca a culpa na concentração de renda. Francamente, nunca acreditei que fosse só isso ou aquilo. Acho que tem muito mais coisa envolvida, seja o ambiente em que a pessoa cresceu, sejam as condições e estruturas familiares, a sua vontade e dedicação, as oportunidades, a sorte, etc. Enfim, a resposta não tem apenas uma origem. No decorrer de uma vida ou carreira, muita coisa acontece e te direciona ou te faz escolher este ou aquele caminho.

Minha família tem origens simples. Até chegar à faculdade, eu só havia estudado em escolas públicas, em bairros que eram, na sua maioria, igualmente simples. Isso significa escolas com recursos limitados. Aqui abro parênteses: muita gente reclama das escolas públicas de hoje, mas, da visão de quem é casado com uma professora, posso afirmar que, ao menos em termos de recursos e estrutura, as escolas públicas em que eu estudei estão melhores hoje do que na minha época. Não sei, obviamente, se é uma realidade geral. Mas é fato. Há mais verbas e projetos vindos do governo e melhores condições para aprendizado. Hoje você tem aula de música, passeios regulares, laboratórios com computadores, salas de audiovisual decentes, escolas abertas aos sábados com atividades extracurriculares, etc. Isso não acontecia no meu tempo. Talvez a culpa pela dita “crise na educação” seja oriunda de outros fatores, como a qualidade de ensino, preparo dos professores, políticas de administração das escolas, etc. Lembrem-se de que a LDB mudou em 1997 e nivelou por baixo as notas de corte para aprovação. Parece que hoje se faz de tudo para um aluno não repetir o ano, mesmo que não tenha condições de seguir uma série adiante. Acho que foi aí que as coisas começaram a piorar em termos de ensino. Culpar o governo pode ser sempre o mais cômodo (já que, na maioria das vezes, a culpa é dele mesmo), mas há de se ter uma visão mais holística do problema. Não fossem esses fatores, não teria problema nenhum em colocar meu filho em uma escola pública quando ele tiver idade. De qualquer modo, em recursos e estrutura, houve uma clara evolução, ao menos nas escolas em que eu estudei e que acredito que sejam bem administradas. Ainda está longe do ideal e daquilo que se encontra na maioria das escolas particulares, mas pode ser um começo. Falta melhorar o ensino, prioritariamente. Enfim, fechemos os parênteses.

Como eu dizia, passei por três escolas públicas entre o primeiro e segundo graus (hoje ensinos fundamental e médio), sendo uma municipal e duas estaduais. O exemplo que eu queria ilustrar vem da segunda escola, que é estadual, onde eu estudei da quinta à oitava série.

Num fim de semana desses, estávamos em casa pensando no que fazer para o almoço. Ninguém estava a fim de ficar horas na frente do fogão ou da churrasqueira, até porque tínhamos um compromisso no meio da tarde. Pela praticidade, decidi ir até um desses estabelecimentos que vendem churrasco pronto. Comprei o que tinha de comprar e, ao sair, o rapaz que cuidava da máquina de frango assado me chamou: - E aí, lembra de mim? Estudei contigo na sexta série! De fato, lembrava dele, embora não do seu nome. Fiquei com vergonha de perguntar, mas nem sei se ele lembrava do meu. Não tinha muito contato com ele naquela época. Éramos de “tribos” diferentes. Ele era da “turma do fundão” e eu era um "CDF" que sentava na primeira fila. Numa rápida conversa de uns dois minutos ele perguntou se eu estava estudando, como estava a vida, essas coisas. O cara foi super gente boa, diga-se. – Esse aqui vivia estudando, disse ele aos seus amigos, referindo-se a mim. Modéstia à parte, sempre me dediquei aos estudos e os levei a sério, mesmo que me chamassem de “CDF”, “quatro olhos”, e coisas do tipo (ainda não se usava a expressão “Nerd”).  Bem, me despedi (até porque não queria atrapalhar o trabalho dele), e fui embora. Cheguei a ver ele outras vezes ali, mas depois não vi mais. Talvez tenha trocado de emprego, sei lá.

O curioso é que, depois de um tempo, fiquei me perguntado sobre como aquele cara teria parado ali, assando frangos. Nada contra o trabalho dele, pelo contrário, eu valorizo e respeito todo mundo que trabalha, independente da função. Mas é claro que ele tomou um caminho diferente do meu. Não sou nada pretensioso, sou uma pessoa bem simples. Sempre mantive minhas raízes e creio que é isso que me deixa com os “pés no chão” em relação ao mundo. Não dá pra reclamar do que se tem, especialmente quando você já teve bem menos. Não que eu possua grandes bens materiais, mas acho que vivo bem com o que conquistei. Tive a chance de me formar, fazer pós-graduação, falar outros idiomas, ter vivências em projetos internacionais, ter minha casa, meu carro, estruturar uma família, ter filho, plantar árvores. Enfim, ainda falta escrever um livro e comprar meu Opalão. Um dia chego lá... Como eu disse, não dá pra reclamar.

Mas eu fiquei pensando que aquele cara provavelmente não teve isso. Mas como, se, em determinado lugar no tempo, nós estávamos no mesmo lugar e, teoricamente, com as mesmas oportunidades pela frente? O que nós dois fizemos de tão diferente um do outro? Confesso que não sei a resposta correta, mesmo porque não conversei tanto assim com ele para saber. Também não conhecia a realidade dele naquele tempo em termos de estrutura familiar, condições financeiras, etc, mas imagino que fossem próximas das minhas. Não tenho a menor condição para dar uma de antropólogo, mas talvez algumas evidências possam trazer pistas. Cursei a sexta série em 1991, aos 12 anos. Nessa época, ele já era repetente por duas vezes e tinha 14 anos. Era da “turma do fundão”, como eu mencionei. Ou seja, estudar não parecia ser o foco principal daquela  galera. Creio que ele não deve ter feito faculdade. Do contrário, estaria provavelmente trabalhando com outra atividade. Ele não era dos caras mais populares da turma, mas andava com eles. Tinha a malandragem que eu não tinha. Eu só tinha as minhas notas boas. Nunca sequer fiquei em recuperação na minha vida (nem na faculdade).  Para ele e para boa parte dos “populares”, era normal ter de recuperar conteúdos. 

Eu não sabia se estava certo, mas se eu tirasse uma nota baixa ou ficasse em recuperação, isso seria uma derrota incrível pra mim, me envergonharia profundamente e a meus pais. Eu, pelo menos, enxergava as coisas assim. Por diversas ocasiões, eu via pessoas que sempre ficavam em recuperação e achavam aquilo normal, agiam com naturalidade. Eu não. Deixava de ser o mais descolado ou o mais “pegador” da turma porque queria realmente estudar. E segui sendo assim nos anos seguintes e na faculdade. Não acho que tenha deixado de aproveitar a escola por conta disso. Fiz muitos amigos, tive muitas histórias pra contar. Mas na hora de estudar, eu levava a sério. Talvez essa tenha sido a diferença entre a gente. Se eu fosse relapso, certamente não teria conseguido cursar a faculdade e trabalhar com tecnologia. Creio que quando você não se dedica aos estudos, acaba não dando a devida importância a isso e vai naturalmente relaxando, deixando em segundo plano. Quando percebe, perdeu anos da sua vida sem conseguir sair do lugar. Recuperar esse tempo nem sempre é fácil e você acaba tendo poucas opções profissionais para o seu futuro.

Não é minha intenção julgar os outros (e quem sou eu para fazer isso?). Muitas pessoas preferem viver com mais simplicidade ou porque se cansaram de suas vidas corridas demais. Lembram-se do filme “Beleza Americana”, onde o personagem do Kevin Spacey largou anos de carreira numa empresa para virar atendente de lanchonete, porque queria algo com o mínimo de responsabilidade possível? E ainda comprou um Firebird... É um extremo, mas serve como ilustração. Como eu disse no início deste post, não há apenas uma resposta para essa diferença de caminhos trilhados. Mas acho que, no caso do meu ex-colega, que estava no mesmo tempo e local que eu em determinado momento da v ida, talvez as escolhas dele em relação à dedicação aos estudos tenham sido determinantes para termos seguido caminhos tão distintos. Não sei se foi isso exatamente que aconteceu. Eu apenas imagino, dadas as poucas evidências que tenho. Mas pela conversa em frente à "televisão de cachorro", acho que esse pode ter sido, ao menos, um dos fatores.

E isso é algo comum. Assim como vemos pessoas que não conseguiram construir uma carreira como a que construímos, também temos exemplos de pessoas que foram mais longe do que nós. Sempre vai haver alguém que teve mais sucesso que você. Particularmente, sempre prefiro reencontrar pessoas que estão tão bem ou melhores do que eu. Gosto de ver o sucesso dos outros. Mas nem sempre é o que acontece. Justamente por isso é que não podemos ter ilusões. É importante que se valorize aquilo que se conquistou. E, para conquistar, é preciso esforço, trabalho e dedicação. E uma das bases de tudo é a seriedade com que você encara as coisas, começando pelos estudos. O conhecimento adquirido valerá a pena mais tarde e tende a lhe abrir mais portas e lhe dar mais opções, como trabalhar em algo que você gosta e não apenas por necessidade. Se você restringir seu conhecimento, limitar-se ao lugar comum, essas opções diminuem e os efeitos serão sentidos logo ali adiante.


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