Nunca fui
um expert em economia e nem em política,
embora não deixe de acompanhar ambos os assuntos com certa frequência. Uma
questão a qual sempre tive curiosidade de saber a resposta diz respeito a por que
pessoas que, teoricamente, vieram da mesma realidade, acabam tomando caminhos
tão diferentes na vida. O capitalismo diz que cada pessoa deve se preparar para o
mundo que a espera. Ela é responsável pelo seu próprio sucesso ou fracasso. O
socialismo coloca a culpa na concentração de renda. Francamente, nunca acreditei
que fosse só isso ou aquilo. Acho que tem muito mais coisa envolvida, seja o
ambiente em que a pessoa cresceu, sejam as condições e estruturas familiares, a
sua vontade e dedicação, as oportunidades, a sorte, etc. Enfim, a resposta não tem
apenas uma origem. No decorrer de uma vida ou carreira, muita coisa acontece e
te direciona ou te faz escolher este ou aquele caminho.
Minha família
tem origens simples. Até chegar à faculdade, eu só havia estudado em escolas
públicas, em bairros que eram, na sua maioria, igualmente simples. Isso
significa escolas com recursos limitados. Aqui abro parênteses: muita gente
reclama das escolas públicas de hoje, mas, da visão de quem é casado com uma
professora, posso afirmar que, ao menos em termos de recursos e estrutura, as
escolas públicas em que eu estudei estão melhores hoje do que na minha época.
Não sei, obviamente, se é uma realidade geral. Mas é fato. Há mais verbas e
projetos vindos do governo e melhores condições para aprendizado. Hoje você tem
aula de música, passeios regulares, laboratórios com computadores, salas de audiovisual decentes, escolas
abertas aos sábados com atividades extracurriculares, etc. Isso não acontecia
no meu tempo. Talvez a culpa pela dita “crise na educação” seja oriunda de
outros fatores, como a qualidade de ensino, preparo dos professores, políticas
de administração das escolas, etc. Lembrem-se de que a LDB mudou em 1997 e nivelou
por baixo as notas de corte para aprovação. Parece que hoje se faz de tudo para
um aluno não repetir o ano, mesmo que não tenha condições de seguir uma série
adiante. Acho que foi aí que as coisas começaram a piorar em termos de ensino. Culpar
o governo pode ser sempre o mais cômodo (já que, na maioria das vezes, a culpa
é dele mesmo), mas há de se ter uma visão mais holística do problema. Não fossem
esses fatores, não teria problema nenhum em colocar meu filho em uma escola
pública quando ele tiver idade. De qualquer modo, em recursos e
estrutura, houve uma clara evolução, ao menos nas escolas em que eu estudei e
que acredito que sejam bem administradas. Ainda está longe do ideal e daquilo
que se encontra na maioria das escolas particulares, mas pode ser um começo. Falta
melhorar o ensino, prioritariamente. Enfim, fechemos os parênteses.
Como eu
dizia, passei por três escolas públicas entre o primeiro e segundo graus (hoje
ensinos fundamental e médio), sendo uma municipal e duas estaduais. O exemplo
que eu queria ilustrar vem da segunda escola, que é estadual, onde eu estudei
da quinta à oitava série.
Num fim de
semana desses, estávamos em casa pensando no que fazer para o almoço. Ninguém
estava a fim de ficar horas na frente do fogão ou da churrasqueira, até porque
tínhamos um compromisso no meio da tarde. Pela praticidade, decidi ir até um
desses estabelecimentos que vendem churrasco pronto. Comprei o que
tinha de comprar e, ao sair, o rapaz que cuidava da máquina de frango assado me
chamou: - E aí, lembra de mim? Estudei contigo na sexta série! De fato,
lembrava dele, embora não do seu nome. Fiquei com vergonha de perguntar, mas
nem sei se ele lembrava do meu. Não tinha muito contato com ele naquela época. Éramos
de “tribos” diferentes. Ele era da “turma do fundão” e eu era um "CDF" que
sentava na primeira fila. Numa rápida conversa de uns dois minutos ele
perguntou se eu estava estudando, como estava a vida, essas coisas. O cara foi
super gente boa, diga-se. – Esse aqui vivia estudando, disse ele aos seus
amigos, referindo-se a mim. Modéstia à parte, sempre me dediquei aos estudos e
os levei a sério, mesmo que me chamassem de “CDF”, “quatro olhos”, e coisas do
tipo (ainda não se usava a expressão “Nerd”).
Bem, me despedi (até porque não queria
atrapalhar o trabalho dele), e fui embora. Cheguei a ver ele outras vezes ali,
mas depois não vi mais. Talvez tenha trocado de emprego, sei lá.
O curioso é
que, depois de um tempo, fiquei me perguntado sobre como aquele cara teria parado ali, assando frangos. Nada contra o trabalho dele, pelo contrário, eu
valorizo e respeito todo mundo que trabalha, independente da função. Mas é
claro que ele tomou um caminho diferente do meu. Não sou nada pretensioso, sou
uma pessoa bem simples. Sempre mantive minhas raízes e creio que é isso
que me deixa com os “pés no chão” em relação ao mundo. Não dá pra reclamar do
que se tem, especialmente quando você já teve bem menos. Não que eu possua
grandes bens materiais, mas acho que vivo bem com o que conquistei. Tive a chance de me
formar, fazer pós-graduação, falar outros idiomas, ter vivências em projetos
internacionais, ter minha casa, meu carro, estruturar uma família, ter filho, plantar
árvores. Enfim, ainda falta escrever um livro e comprar meu Opalão. Um dia chego lá... Como eu
disse, não dá pra reclamar.
Mas eu fiquei
pensando que aquele cara provavelmente não teve isso. Mas como, se, em determinado
lugar no tempo, nós estávamos no mesmo lugar e, teoricamente, com as mesmas
oportunidades pela frente? O que nós dois fizemos de tão diferente um do outro?
Confesso que não sei a resposta correta, mesmo porque não conversei tanto assim
com ele para saber. Também não conhecia a realidade dele naquele tempo em
termos de estrutura familiar, condições financeiras, etc, mas imagino que fossem
próximas das minhas. Não tenho a menor condição para dar uma de antropólogo,
mas talvez algumas evidências possam trazer pistas. Cursei a sexta série em
1991, aos 12 anos. Nessa época, ele já era repetente por duas vezes e tinha 14
anos. Era da “turma do fundão”, como eu mencionei. Ou seja, estudar não parecia
ser o foco principal daquela galera. Creio que ele não deve ter feito faculdade. Do contrário, estaria
provavelmente trabalhando com outra atividade. Ele não era dos caras mais
populares da turma, mas andava com eles. Tinha a malandragem que eu não tinha.
Eu só tinha as minhas notas boas. Nunca sequer fiquei em recuperação na minha vida (nem
na faculdade). Para ele e para boa parte
dos “populares”, era normal ter de recuperar conteúdos.
Eu não sabia
se estava certo, mas se eu tirasse uma nota baixa ou ficasse em recuperação,
isso seria uma derrota incrível pra mim, me envergonharia profundamente e a
meus pais. Eu, pelo menos, enxergava as coisas assim. Por diversas ocasiões, eu via pessoas que
sempre ficavam em recuperação e achavam aquilo normal, agiam com naturalidade.
Eu não. Deixava de ser o mais descolado ou o mais “pegador” da turma porque
queria realmente estudar. E segui sendo assim nos anos seguintes e na
faculdade. Não acho que tenha deixado de
aproveitar a escola por conta disso. Fiz muitos amigos, tive muitas histórias pra contar. Mas
na hora de estudar, eu levava a sério. Talvez essa tenha sido a diferença entre
a gente. Se eu fosse relapso, certamente não teria conseguido cursar a
faculdade e trabalhar com tecnologia. Creio que quando você não se dedica aos
estudos, acaba não dando a devida importância a isso e vai naturalmente relaxando, deixando em segundo plano. Quando percebe, perdeu anos da sua vida sem conseguir sair do lugar.
Recuperar esse tempo nem sempre é fácil e você acaba tendo poucas opções
profissionais para o seu futuro.
Não é minha intenção julgar os outros (e quem sou eu para fazer isso?). Muitas pessoas preferem viver com mais
simplicidade ou porque se cansaram de suas vidas corridas demais. Lembram-se do
filme “Beleza Americana”, onde o personagem do Kevin Spacey largou anos de
carreira numa empresa para virar atendente de lanchonete, porque queria algo com o mínimo de
responsabilidade possível? E ainda comprou um Firebird... É um extremo, mas serve como ilustração. Como eu
disse no início deste post, não há
apenas uma resposta para essa diferença de caminhos trilhados. Mas acho que,
no caso do meu ex-colega, que estava no mesmo tempo e local que eu em
determinado momento da v ida, talvez as escolhas dele em relação à dedicação aos estudos tenham
sido determinantes para termos seguido caminhos tão distintos. Não sei se foi isso exatamente que aconteceu. Eu apenas imagino, dadas as poucas evidências que tenho. Mas pela conversa em frente à "televisão de cachorro", acho que esse pode ter sido, ao menos, um dos fatores.
E isso é
algo comum. Assim como vemos pessoas que não conseguiram construir uma carreira
como a que construímos, também temos exemplos de pessoas que foram mais longe
do que nós. Sempre vai haver alguém que
teve mais sucesso que você. Particularmente, sempre prefiro reencontrar pessoas que estão tão bem ou melhores do que eu. Gosto de ver o sucesso dos outros. Mas nem sempre é o que acontece. Justamente por isso é que não podemos ter ilusões.
É importante que se valorize aquilo que se conquistou. E, para
conquistar, é preciso esforço, trabalho e dedicação. E uma das bases de tudo é a
seriedade com que você encara as coisas, começando pelos estudos. O conhecimento adquirido valerá a pena mais tarde e tende a lhe abrir mais portas
e lhe dar mais opções, como trabalhar em algo que você gosta e não apenas por necessidade. Se você restringir seu conhecimento, limitar-se ao lugar
comum, essas opções diminuem e os efeitos serão sentidos logo ali
adiante.